domingo, 30 de janeiro de 2011

Os refúgios do Poeta III

A última postagem sobre as casas de Pablo Neruda é sobre La Sebastiana:

Em 1959, cansado do agito de Santiago, Neruda buscou um refúgio na cidade litorânea de Valparaíso. Sua nova residência deveria atender a alguns requisitos: não estar num lugar nem muito alto nem muito baixo; deveria ser solitária, mas não em excesso; vizinhos, se possível, invisíveis; independente, mas próxima de comércios; nem grande nem pequena, e barata. Em uma das ladeiras da cidade, encontrou a casa perfeita, construída por um espanhol chamado Sebastián Collado, que morreu sem terminar a obra. Neruda a concluiu e batizou La Sebastiana.

Durante a visita, uma cena engraçada: o passeio não tem guias. Turistas latinos, europeus e orientais carregam aparelhos cheios de botões parecidos com celulares perto ao ouvido para escutar, em inglês ou espanhol, as explicações gravadas. Os visitantes podem conhecer os ambientes aleatoriamente, gerando um agitado movimento por toda a casa ao mesmo tempo em que o silêncio impera no local.

Dos cinco andares, o escritor habitou os de cima, enquanto um casal de amigos ficou com os junto ao solo. A divisão foi estratégica: Neruda não podia ficar longe de sua paixão, o Pacífico. Da sala de estar, é possível ver a magnitude do mar, que sempre o inspirou:

“O Oceano Pacífico saltava do mapa. Não havia onde colocá-lo. Era tão grande, desordenado e azul, que não cabia em lugar nenhum. Por isso o deixaram em frente à minha janela.”

 Como sempre, capitão Neruda quis uma casa que lembrasse uma embarcação, e assim a fez. Subindo para seu escritório, há pequenas janelas redondas de onde se pode espiar o mar.

Na sala de estar, está La Nube (a nuvem), poltrona que assim nomeou porque era onde gostava de descansar e observar Valparaíso e seus intermináveis morros. Em seu tecido, ainda é possível ver marcas de tinta que caíram enquanto ele escrevia sentado ali. Na sala, outra surpresa: um cavalo de carrossel. O adulto que não deixou de ser criança mandou fazer o piso do chão em formato redondo para dar a impressão que se está sobre o brinquedo.

Na mesa da sala, as louças estão arrumadas como se o dono da casa viesse para o jantar. As taças de vidro têm as mais variadas cores, já que Neruda dizia que isso dava um sabor mais agradável às bebidas. Apenas convidados não bem-vindos eram recebidos com taças transparentes.

Um mistério paira sobre La Sebastiana. O escritor dizia que, à tarde, via pela janela uma vizinha que tomava banho de sol nua na laje de casa. Seus amigos, intrigados com
a história, esperaram para ver a moça, e não a viram. Por vários outros dias, fizeram a mesma tentativa, mas nunca encontraram a mulher, que possivelmente povoava apenas a imaginação do poeta.

O amor por suas casas era tão grande que transpassou a vida. No imenso jardim da moradia de Isla Negra, dois túmulos cobertos por pequenas flores descansam de frente ao mar: Neruda e Matilde. O corpo do escritor havia sido enterrado em Santiago, mas para atender a um pedido registrado em sua obra “Canto General”, foi transladado para lá, onde permanece em seu eterno refúgio.

E a minha palavra nascerá de novo,
talvez noutro tempo sem dores,
sem os fios impuros que enredaram
negras vegetações ao meu canto,
e nas alturas arderá de novo
o meu coração ardente e estrelado.

Nayara D'Alama
Imagens: Viajetrip e Mundo Pequeno

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