sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Os refúgios do Poeta

Pessoal, como publicado anteriormente, visitamos as três casas que foram de Pablo Neruda e que hoje são abertas à visitação. Escrevi um texto sobre cada uma delas para que vocês possam conhecer o mundo mágico desse escritor que encantou o mundo. Será uma postagem para cada casa. (Observação: não era permitido tirar fotos do interior delas.) Aí vai:

Refúgios do poeta
 
Além das inúmeras obras, mulheres e viagens que rechearam sua agitada vida, Pablo Neruda teve muitas residências – no Chile e no exterior – onde se dedicava a escrever e encontrar-se com amigos. Ao visitar três de suas casas que viraram museus e olhar as paredes com mosaicos coloridos, as coleções dos mais variados objetos e os extravagantes artefatos trazidos de todas as partes do planeta, é possível entrar no mundo desse excêntrico e cativante escritor.

A casa de Isla Negra

A impressão é de estar dentro de um poema. Ao passar pelas portas de entrada, parece que o imaginário poético de Pablo Neruda se materializa. Cada objeto e centímetro quadrado das casas que o abrigaram nas cidades de Isla Negra, Santiago e Valparaíso tem sua própria história e guarda um pouco das memórias do escritor, diplomata e senador.

Em 1937, aos 33 anos, Neruda buscou uma casa onde poderia inspirar-se e dedicar-se à literatura. À beira do oceano azul e das rochas escuras de Las Gaviotas, encontrou o que procurava. Para quem foi batizado como Neftalí Ricardo Reyes Basoalto, não seria difícil também mudar o nome da região para Isla Negra, como é conhecida até hoje.

Diariamente, turistas de todas as partes do mundo peregrinam para o local. No início da visita, uma placa decepciona o grupo de seis coreanos com máquinas digitais a postos: não é permitido fotografar o interior da casa. O jeito é, em um desespero frenético, olhar todos os inúmeros detalhes de cada cômodo para tentar gravar o máximo de informação possível na memória.

A decoração evidencia a paixão que o antigo morador tinha pelo mar. Na sala de visitas, diferentes mascarones – aquelas estátuas que adornam a proa de navios – repousam em frente à janela de vidro. O poeta, em atitude bastante cruel, as teria colocado ali para que olhassem o oceano por onde nunca mais navegariam. As portas baixas e estreitas e o teto arredondado foram desenhados para lembrar o formato de um navio. Diversos objetos marinhos, como bússolas e mapas estelares, decoram os outros ambientes da casa onde o poeta era capitão. Em suas louças havia desenhos de instrumentos de navegação, assim todos saberiam quem mandava ali.

Personagens de amores impossíveis também habitam o local. Na sala de jantar, Neruda pendurou a cabeça de um pirata na parede atrás de seu lugar à mesa e, para que esse tivesse companhia, colocou em sua frente a estátua de uma bela mulher. “O problema é que ela teria se apaixonado pelo mar – visível através da parede de vidro – e nunca olhou para seu admirador”, conta romanticamente o guia moreno de olhos azuis como o oceano para onde aponta com o dedo.

Mesmo aqueles que não conhecem nada sobre Pablo Neruda podem ver nos objetos sua alma curiosa. Ele colecionava tudo: veleiros engarrafados, borboletas, livros, máscaras, conchas, estribos. Entretanto, nunca se considerou um colecionador, e sim um ‘coisista’, já que gostava de juntar coisas. Entre elas, está uma garrafa cheia de areia presenteada pelo amigo brasileiro Jorge Amado.    

Outras excentricidades mostram a mente criativa do dono da casa. No segundo piso, a cama do escritor atravessa o quarto em diagonal para ser possível ter uma visão maior do mar por duas grandes janelas. O escritório onde trabalhava tinha o teto revestido de zinco para ele escutar o barulho da chuva, que o recordava da sua infância no sul do Chile. A mesa em que escrevia é ‘um presente do mar’, já que foi feita com a porta de um navio que as ondas deixaram no quintal de sua casa. Os visitantes também podem ver a estátua de um demônio da Ilha de Páscoa que, segundo superstição, maldiz todos os que olham seus olhos. Neruda dizia não acreditar na lenda, mas, por via das dúvidas, lhe tirou um olho.  

Um cômodo foi construído especialmente para abrigar o ‘cavalo mais feliz do mundo’. A estátua do animal em tamanho real ficava à frente de uma loja de celas e encantou Neruda quando era criança. Anos mais tarde, o escritor comprou a escultura em um leilão e deu uma grande festa para comemorar. Como três convidados levaram rabos de presente e o anfitrião não quis decepcionar ninguém, a estátua sortuda ficou com os três.

Uma placa na parede da sala revela a mania de batizar residências: La Manquel. Esse seria o nome de uma de suas casas na França, cuja origem vem da palavra Manque, que na língua dos indígenas mapuches significa “condor”, ave típica dos Andes. “O poeta adicionou um “l” ao final da palavra apenas para soar mais francesa”, diverte-se o guia.  A casa-museu de Isla Negra é a única que não tem um nome próprio, como as de Santiago e Valparaíso, La Chascona e La Sebastiana, respectivamente.

 O jardim ao redor da casa é igualmente espetacular. O terreno termina na praia, onde há várias rochas e o mar azul que serviram de inspiração ao escritor. Pendurados em uma estrela gigante feita de madeira, estão vários sinos que o poeta tocava quando regressava de viagem para que a vizinhança soubesse que ele havia chegado em casa.


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