sábado, 22 de janeiro de 2011

Os refúgios do Poeta II

O post de hoje é sobre a casa de Pablo Neruda em Santiago

La Chascona

No sopé do Cerro San Cristobal, o principal morro do centro de Santiago, um ponto turístico passa despercebido pela maioria dos visitantes da cidade. O zoológico, o funicular e a estátua da Virgem presentes no local chamam mais atenção do que a construção que se esconde atrás de um muro pintado com vários desenhos multicoloridos.

 Em 1953, ainda casado com Delia de Carril, o escritor começa a construir uma casa para sua amante Matilde Urrutia, quem o acompanharia pelo resto da vida. A homenagem não deixou a desejar: tem vista direta para a cordilheira dos Andes. Na época, a residência era cortada por um riacho que descia a encosta.

Dois anos mais tarde, o poeta mudou-se para lá e batizou o lar de La Chascona (em português, despenteada), em referência aos volumosos cabelos ruivos da dona da casa. Outras homenagens a esse amor estão disfarçadas pelos ambientes. Na grade de uma janela há ferros em forma de P (Pablo) e M (Matilde), formando um desenho que seria uma meia-lua sobre o mar. Na sala de estar, há um quadro do mexicano Diego Riviera chamado “La Medusa”, onde Matilde aparece pintada com duas cabeças. Um observador mais atento pode ver o perfil de Neruda entre as mechas de seus cabelos.

A criatividade do autor também está presente nessa casa. As habitações são recheadas com os mais excêntricos objetos, que vão desde quadros – alguns deles apenas esboços – até os sempre presentes instrumentos de navegação. No interior de uma televisão sem tela, o poeta guardou objetos de prata, para que o aparelho “tivesse, enfim, alguma serventia”, explica o simpático guia de cabelo comprido.

Por estar em uma colina, La Chascona tem vários níveis conectados por escadas. A sala de estar e o quarto principal estão em um edifício separado do ambiente em que ficam o escritório de Matilde e a sala de jantar. Já a biblioteca está afastada em um plano mais alto do jardim. Talvez para cortar caminhos ou apenas dar um ar mais fantástico à casa, Neruda construiu uma passagem secreta. Atrás de uma parede na sala de jantar, esconde-se uma escada em caracol que sobe até o escritório da mulher amada.

No jardim há duas escadas que, por caminhos diferentes, levam ao mesmo destino: o bar de verão, onde o escritor recepcionava seus convidados nas estações quentes. O que chama atenção aí é a coleção de objetos gigantes, como sapatos e chaves, com uma origem bastante curiosa: eles eram colocados em frente de lojas (chaveiros, por exemplo) para que os clientes analfabetos pudessem localizar os comércios que procuravam.

A casa que nasceu para abrigar seu amor também foi cenário do velório do poeta. Apenas poucos dias após a tomada do governo pelos militares e a morte de seu amigo Salvador Allende, em 1973, o poeta morreu de câncer – versão que até hoje é questionada. Muitos falam que, na verdade, ele, esquerdista convicto, não aguentou ver a difícil situação de seu país e morreu de tristeza. Um duro golpe para o Chile. Depois disso, sua casa foi saqueada e danificada, mas Matilde a reconstruiu.

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